Figura folclórica da noite nas ruas de São Paulo. Tem quarenta e seis anos, mas aparenta oitenta. Seus trajes andrajosos de catador de latas. Sua barba esbranquiçada, por fazer. Pele macilenta por ausência de sol. Ele só trabalha à noite. Questão de segurança, diz. Não é seguro dormir à noite nas ruas da megalópole. Por isso passa o dia dormindo e à noite sai para recolher latas. O chapéu velho lhe concede um quê de respeito e dignidade. Descalço, percorre as ruas do centro remexendo os containeres de lixo. Não tem pressa. Sabe onde conseguir o seu quinhão diário. O saco sujo às costas retrata e condena uma sociedade vil, onde muitos são listados como poderosos e quase todos como miseráveis.
Desenvolto no falar, revela cultura. Frases bem construídas. Português correto. Sabe concatenar os pensamentos e pensa corretamente. Com lógica, raciocina as conseqüências dos seus atos. Revela trazer na bagagem riquezas morais, sinceridade e honestidade, inexistentes nos salões atapetados, com molduras e quadros de pintores famosos, nas salas legislativas e executivas do país. É rico em seu caráter, embora pobre em suas velhas e surradas vestes.
Há dias ao revolver o lixo encontrou mais de duzentos cheques. Alguém os havia roubado. Sem condições ou com medo da incriminação jogou-os no lixo. Ficou admirado com tantos cheques. Alguns por vencer. Poderia sacá-los. Ele sabia o que era cheque. Afinal como excelente lanterneiro, sempre os recebia por serviços prestados. Sim, ele já fora há dez anos um excelente profissional. Família, com três filhos e esposa, vivia do seu trabalho. Mas um dia, inexplicável, abandonou a esposa, os filhos, sua oficina de trabalho e foi sobreviver na rua como catador de latas. Parece que a lanternagem o levou à paixão doentia pelas latinhas vazias. Nunca mais voltou. Não deu endereço, pois não o tem. Os filhos cresceram. São adolescentes. Ele um mísero entre outros tantos miseráveis a viver do resto que outros jogam fora. Parece feliz. Talvez. Mas continua honesto. Levou todos os cheques encontrados e os entregou à polícia. Atitude inusitada. A polícia não trabalha com os honestos. Ela existe em função dos desonestos e maus (Rm 13:4).
A imprensa foi acionada. O mendigo é objeto de uma reportagem especial. O repórter o acompanha durante à noite. Ouve as razões da devolução dos cheques. Logo ele que tanto precisa de dinheiro. Sua justificativa é simples. Não são meus. Alguém os perdeu. Ao seu dono o que lhe pertence. Quão diferente das sanguessugas do poder. Alguns se dizem evangélicos. Colarinhos brancos. Carros oficiais. Mordomos e assessores. Inteligentes, alteram emendas do orçamento e roubam impiedosamente os miseráveis que sucumbem injustamente nas filas dos hospitais públicos. Onde tudo falta, inclusive o respeito à dignidade humana.
Alguém distante, numa casa simples, acompanha a reportagem. Sem esperança de rever o filho que partiu. De repente um susto. É ele! Parece-se com ele. Não pode ser verdade! O semblante envelhecido gera dúvida. Mas é ele. Sua voz. Seu jeito de falar e gesticular. Trazem-lhe a certeza. Aquele mendigo é meu filho. Considerava-o morto. Desaparecido. Sem esperança de reencontrá-lo. Uma vez confirmado que o filho está vivo, vem o apelo dramático da mãe que nunca perdeu a esperança de reencontrar o filho. “Filho, volte para casa! Você sabe que somos pobres. Mas temos o suficiente para dividir com você. Juntos é possível sobreviver com o pouco que a vida nos deu”. Fica o apelo. Será que o filho ouviu? Voltou?
Assim é o coração de mãe. Não perde a esperança. Crê no impossível. Sempre está disposto a dividir o pouco que lhe resta. Quanto mais divide mais tem para compartilhar. Não importam a circunstâncias. Para os transeuntes das ruas de São Paulo aquele homem é um mendigo. Um catador de latas vazias. Um pobre coitado. Sem nome. Sem rumo. Sem endereço. Para a mãe ele é apenas o filho querido por quem tem derramado lágrimas de saudades. É o filho que deseja vê-lo retornando. Não importa a idade. A situação social. Ele é seu filho. Está disposta a dividir a última fatia de pão para minorar-lhe a fome. Mesma envelhecida e alquebrada pela dor do tempo, ingrato tempo que não escoa nunca, ela está disposta a oferecer-lhe roupas novas. Limpas. Deseja abraçá-lo, não como infeliz descalço nas frias noites paulistana, mas como filho. Caso fosse salva e conhecesse o lindo poema de Provérbios 31:2 e Isaías 49:15 diria: “Como filho do meu ventre e como filho das minhas promessas... pode a mãe não se compadecer de seu filho...?”
Quantas mães que neste dia choram a partida dos seus filhos. A tristeza em vê-los rastejando pelas sarjetas e becos dos crimes organizados, das drogas e da imoralidade. Para elas não há adjetivos para qualificá-los. Eles são filhos. Foram crianças um dia. Cresceram. Partiram. Mas continuam filhos. Pequenos e indefesos carecendo do amor materno que repete a mensagem de sempre. Volte. Mamãe o espera com a mesma fatia de pão. Filho volte.
fonte:http://www.pastorjuliosanches.org/
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