quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

CONTRAPESO

A prática comercial contradiz a definição da palavra. Contrapeso é o que compensa o que está faltando em um produto, diz o dicionário. Mas na prática ele compensa o peso, não o produto. O comerciante o usa para completar o peso original com porções não aproveitáveis. É o sebo que acompanha a carne, nos açougues. É o horror das crianças que são obrigadas a ir ao açougue buscar a “mistura”. Depois voltam para devolver o produto e ainda ouvir desaforos do açougueiro, sem poder retribuir. O contrapeso atua contra o vendedor e contra o comprador. Ambos perdem no confronto do relacionamento. Ganha o dono do estabelecimento comercial.

Hoje não se usa mais contrapeso. As pessoas compram o produto já embrulhado e são embrulhadas com o contrapeso sem poder devolvê-lo. É a coxa do frango que traz toda a pele do galináceo. O bacalhau que tem cauda além do normal. A carne bovina que esconde sob a bela aparência da alcatra sebo e gorduras não aproveitáveis. Tudo é manipulado para ludibriar o comprador; claro, sem ter a quem reclamar.

Antes da descoberta da embalagem a vácuo o balconista era o que mais sofria com o contrapeso. Lembro-me do meu tempo de balconista nas Casas da Banha, no Catete, praça Mauá e Sãens Pena. A ordem que recebia do gerente era “empurrar” tudo ao cliente. Não podia ocorrer sobras. Caso ocorresse sobra, sempre havia a bronca do gerente do supermercado. Do lado oposto do balcão estava o cliente, vigilante, reclamador e sempre disposto a chamar o gerente. Este quando chamado sempre ficava do lado do freguês. Recebia “broncas” duplas. Do freguês e do gerente. “Onde já se viu confundir orelha de porco com a pele do suíno que integrava a orelha?” Para permanecer no emprego e sobreviver, só havia um recurso: escutar calado. Claro que após doze horas de atendimento o balconista amaldiçoava todas as peles de porcos, gorduras da carne seca, o comprimento da suã do rabo do porco e como contrapeso a maldição da feijoada da madame. Era sofrimento sem fim. Ainda hoje sinto profunda compaixão pelos balconistas que são obrigados a sorrir para os fregueses reclamadores e prestar contas aos gerentes impiedosos e hipócritas que ordenam um comportamento e exigem outro quando questionados. Na secção de salgados, nós balconistas, travávamos brigas homéricas com o sal que dissolvia nossos dedos, os fregueses que detestavam o contrapeso e o gerente que nos obrigava a vendê-lo.

Hoje sou grato a Deus pelas experiências com os contrapesos. O Senhor ensinava-me, com paciência e benignidade, como viver e administrar os reclamadores e contrapesos que cada dia aparecem em nosso caminho. Os contrapesos, nada acrescentam ao principal. Acrescentam o peso a ser carregado, mas não são aproveitáveis. São aqueles que fazem volume no reino de Deus e na Igreja. Mas não podem ser usados como bênçãos para outros. São indigestos. Aumentam o peso da responsabilidade do grupo, mas não edificam. Jesus os teve em abundância no seu ministério. Eram as multidões. Quando o Mestre os desafiou a tomar a cruz e segui-Lo, desistiram. São os que aplaudem a entrada triunfal em Jerusalém e dias depois gritam: Crucifica-o! Crucifica-o! Por isso é perigoso analisar o grupo, sem antes escoimar os contrapesos.

E os reclamadores? Estes são numerosos. Reclamam de tudo. Quando não há do que reclamar, reclamam porque não podem reclamar. São os insatisfeitos. Nunca estão contentes com o que tem e com o que lhe é oferecido. Vivem de Igreja em Igreja. Mudam de Denominações. De líderes e de ambientes, sempre à procura do perfeito inexistente. Querem o melhor, mas nada produzem para melhorar o ambiente. Jesus os teve também. Eram os críticos. Até por que alguém não lavou as mãos antes do lanche, criticavam.

Às vezes a Igreja se apresenta como aquelas secções de salgados das Casas da Banha. Há os que estão feridos, cansados de tanto trabalhar, tentando servir os reclamadores que estão do outro lado do balcão. Querem bons sermões, sem contrapesos, é claro. Boa música. Ambiente climatizado. Aconchegante. Espaçoso. Boa iluminação. Sanitários perfumados. Recepcionistas angelicais, sem os problemas normais dos míseros mortais, a esboçar sorrisos amáveis. Pontualidade nos horários, embora eles jamais cheguem à hora. Literatura diversificada e individualizada, mas sem um centavo de participação. Não sei o que é mais triste. Ser contrapeso ou servir a contrapesos. Caso não ocorra cuidado no servir, o contrapeso consegue liquidar a alegria do servir.

Mais triste ainda é saber que o contrapeso sempre vai ser lançado no lixo. Mas antes ele consegue estragar a vida de muitas pessoas. Pior ainda, sempre contamina os que estão na fila aguardando a vez.

Fomos salvos, não para ser contrapeso na causa do Mestre. Cristo nos convida a sermos bênçãos e jamais amaldiçoar a vida dos que com sacrifício e amor procuram fazer o melhor. Não fica bem ao verdadeiro salvo ser contrapeso e alimentar reclamações.

Autor:Pastor Julio Oliveira Sanches
fonte:http://www.pastorjuliosanches.org/

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